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Brenner Brunetto

SERIA DIÓGENES UM COSMOPOLITA GREGO?

Brenner Brunetto Oliveira Silvera


A pergunta-título pode soar estranha ao leitor, principalmente ao leitor que já se embrenhou nos estudos do cinismo antigo. Mas ela tem uma justificativa, pois segundo reportagem, do ano de 2017, dos sites vozdaturquia.com e hurriyetdailynews.com, um grupo de pessoas da Fundação Erbakan “exigiu a remoção de uma estátua do filósofo grego Diógenes da entrada da província de Sinop, na região do Mar Negro na Turquia”. O grupo conservador, inclusive, alega não ser contra a estátua em si, mas o problema, segundo eles, é que tal escultura “agrega uma ideologia grega a Sinop”. Segue abaixo, a fala, ipsis litteris, de Ismail Teziç, represente da Fundação na Turquia:


“Nós queremos que a estátua de Diógenes seja levada da entrada de Sinop e movida para Balatlar. Nós exerceremos esforços para isso. Vamos lutar por isso até o fim, mesmo se uma petição ou um comunicado de imprensa permanente seja requerido aqui”.

Ou seja, conforme Teziç, eles não medirão esforços para conseguir alcançar seus objetivos. Desse modo, é provável que, desde 2017 (ou mesmo antes), tal grupo ainda siga com o desejo de retirar a estátua do filósofo-cão da entrada da província de Sínope para leva-la para Balatlar, uma igreja bizantina local.


Mas qual o problema disto? Que mal há em retirar a estátua do filósofo grego-sinopense e levá-la para um local que irá abrigá-la e acolhê-la da maneira que ela merece? Ora, o problema está justamente no discurso de tal grupo, pois sabemos, através de Diógenes Laércio, que Diógenes não autodenominava nem grego e nem sinopense. Conta-se que, certa vez, o “cão” foi questionado sobre qual era sua pátria. Sua resposta foi: κοσμοπολίτης (kosmopolítes), ou seja, “sou cosmopolita” (D.L. VI. 63). Mas afinal, o que significa ser cosmopolita?


A palavra grega κοσμοπολίτης é composta por duas palavras, a saber: πολίτης (polites) e κόσμος (kósmos). A primeira palavra (polites) significa cidadão e a segunda pode significar mundo, universo, ou, até mesmo, a nossa palavra atual cosmos. Desse modo, o que Diógenes de Sínope quis responder é: “sou cidadão do mundo” ou “sou cidadão do universo”. Existe um debate – debate este que não nos cabe investigar agora – que tenta entender se este cosmopolitismode Diógenes é negativo ou posivito. Ou seja, de uma maneira geral, o debate gira em torno da pergunta: Diógenes é cosmopolita porque ele não pertence a nenhuma pátria (cosmopolitismo negativo) ou porque ele pertencia a todas as pátrias (cosmopolitismo positivo)?


Independente de sabermos ou não responder ao questionamento supracitado, uma coisa é certa: Ismail Teziç e seu grupo não entenderam Diógenes de Sínope e sua crítica ao patriotismo. Pois Diógenes, além de ser um crítico feroz dos próprios costumes (tanto gregos quanto “bárbaros”) era também um ἄπολις (ápolis), ou seja, um homem sem pólis, sem cidade, sem pátria (D.L. VI. 38). E seu mestre, Antístenes de Atenas, ao ser criticado por não ser puro ateniense, disse: “estritamente falando, ninguém jamais viu nem um leão coríntio nem um leão ático, mas, por conta isso, o animal não é menos nobre” (Gnomologium Vaticanum 743, 10). Ou seja, o que tais filósofos defendem é que a noção de pátria não existe em si mesma. Ela é apenas uma – das várias – criação humana, um nómos. O que existe em si, ou, utilizando o palavreado cínico, o que existe naturalmente, é o homem e este é, por natureza, cosmopolita.




Assim, dizer que a estátua de Diógenes deve ser retirada da entrada de Sínope tendo em vista que ela insere a cultura grega em um local que hoje é território turco é, por um lado, afirmar o contrário do que Diógenes dizia. É inserir uma “ideologia” que ele mesmo não tinha. É não entender seu pensamento e nem o pensamento do cinismo antigo. Mas, por outro lado, tal posição pode servir como uma afirmação do que Diógenes e os antigos cínicos pensavam, que o nómos, isto é, os costumes e as “ideologias” que nós, seres humanos, criamos, servem, na maioria das vezes, apenas para criar infelicidades e discórdias entre nós mesmos.


Referências:


CONSERVATIVE GROUP DEMANDS REMOVAL OF STATUE OF ANCIENTE GREE PHILOSOPHER IN TUREY’S SINOP. Hürriyet Daily News, 2017. Disponível em: < https://www.hurriyetdailynews.com/conservative-group-demands-removal-of-statue-of-ancient-greek-philosopher-in-turkeys-sinop-117082>. Acesso em: 08/03/2021.


DIÔGENES LAÊRTIOS. Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. Trad. Mário Gama Kury. Brasília: Editora UnB, 2008.


MEMBROS DA FUNDAÇÃO ERBAKAN EXIGEM A REMOÇÃO DA ESTÁTUA DO FILÓSOFO DIÓGENES EM SINOP. Voz da Turquia, 2017. Disponível em: <http://vozdaturquia.com/sociedade/turismo/2017/08/29/erbakan-estatua-diogenes-sinop/>. Acesso em: 08/03/2021.


NAVIA, L. E. Classical Cynicism: A Critical Study. Westport, Connecticut and London: Greenwood Press, 1996.


PRINCE, S. Antisthenes of Athens. Texts, Translations and Commentary. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2015.

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